BRASIL FAZ O JOGO DO IMPERIALISMO NO HAITI

Didier Dominique, professor universitário haitiano:
"O povo odeia as forças de ocupação da ONU".
Texto e foto: Bruno Zornitta - contato@fazendomedia.com
A ocupação militar no Haiti é parte de um projeto definido pela política dos governos estadunidenses, organizado pelas multinacionais - principalmente dos EUA e Canadá - e aplicado pela burguesia haitiana do ramo têxtil. A denúncia foi feita pelo professor da Universidade Federal do Haiti e coordenador do movimento Batalha Operária Didier Dominique, em entrevista coletiva realizada no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro na última sexta-feira, dia 9 de março de 2007.
No mesmo dia, o professor participou de um debate no Sindicato dos Engenheiros do Rio (Senge-RJ), que reuniu diversos movimentos sociais. Didier está em caravana pelo Brasil, com sua esposa, a antropóloga Rachel Beauvoir Dominique, pela ampliação da campanha em apoio ao Haiti, a favor da retirada das tropas estrangeiras, do fim do saque financeiro e da reparação das dívidas históricas, sociais e ecológicas com aquele país.
"O povo odeia as forças de ocupação da Minustah (Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti), diferentemente do que mostra a mídia. O que são forças de paz? Paz para a exploração burguesa? Paz para a dominação imperialista? Paz de cemitério? Na verdade, a solidariedade do governo brasileiro, supostamente com o Haiti, é uma solidariedade de classes dominantes do Brasil, do Haiti e dos EUA para a exploração da mão-de-obra haitiana. Isso está claro", afirma Didier.
Destruindo a economia
A ocupação econômica do Haiti precedeu a ocupação militar. Didier conta que a estratégia começou na época em que Ronald Regan era o presidente estadunidense, com a aprovação do Caribbean Basin Initiative [ver www.mac.doc.gov/CBI], tratado comercial que tinha o objetivo de proletarizar as massas dos países da América Central e Caribe para que estas servissem de mão-de-obra barata às fábricas de tecido. Empresas estadunidenses e canadenses, como Levy-Strauss, Gap, Wangler, Disney e Sara Lee, foram para o México primeiro, depois para a América Central - Honduras, Nicarágua, Guatemala, El Salvador - e finalmente para o Caribe. "Isso já estava planejado. É uma coisa importante que quero dizer. É um plano escrito, pensado e aplicado pelos governos estadunidenses", diz o professor.
O plano em questão consistiu em destruir os principais eixos da economia haitiana. Nesse sentido, por pressão dos produtores de carne estadunidenses e com o pretexto de uma onda de febre suína, os EUA mataram todos os porcos crioulos do Haiti, entre 1978 e 1982. Naquele ano, o Haiti era o principal produtor de carne suína do Caribe, com mais de 2 milhões de cabeças. Os EUA e o BID gastaram 25 milhões de dólares para matar os porcos, em um processo que gerou muito desmatamento e violência perante a resistência dos camponeses. O relatório da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Haiti, que esteve no país em 2005 e 2006, aponta os responsáveis por esse crime: Governo dos EUA, FAO, Usaid e BID.
Além disso, foram sabotadas também as indústrias de açúcar, arroz e café haitianos. Durante a década de 80, engenhos de açúcar foram comprados e fechados pelas multinacionais. O Haiti, que antes tinha açúcar para todo o povo e ainda exportava o excedente, hoje importa 100% do que consome. Na década de 90, foram firmados acordos com a Rice Corporation, que praticoudumping (mecanismo que consiste em embutir subsídios para competir de forma desigual) com o arroz estadunidense. Em três anos, a produção caiu 70%. Hoje o arroz estadunidense é vendido bem caro, mas já não há produção haitiana. E o café sofre com a falta de mão-de-obra, devido à decomposição do mundo rural, que causou migração para as cidades e o conseqüente inchaço das favelas.
As zonas francas e a neo-escravidão
A estratégia de ocupação econômica inclui o estabelecimento de "zonas francas" no Haiti, áreas que as multinacionais arrendam do Estado para construir suas fábricas. São áreas onde o Estado haitiano não tem jurisdição, como a área de uma embaixada. Também não há instância internacional que possa julgar as multinacionais que atuam nas zonas francas, o que na prática as transforma em "terra sem lei", favorecendo a exploração injusta dos trabalhadores. O acordo que permitiu o estabelecimento de zonas francas no Haiti foi assinado em 2002 pelo então presidente Aristide e isenta as multinacionais de qualquer pagamento de impostos.
A mão-de-obra barata nas zonas francas tem grande importância para as outras indústrias, porque baixam os salários, que são definidos nessas zonas, e não pela indústria nacional. As multinacionais, nessa lógica de exploração, necessitam da miséria generalizada do povo, para que o trabalhador busque emprego nas zonas francas, pois fora delas a situação chega a ser pior. Didier conta que a burguesia haitiana vê a mão-de-obra barata como uma "vantagem comparativa" do país. A mão-de-obra no Haiti é a mais barata de todo o continente.
Interesses militares
Com o terrorismo econômico praticado contra o Haiti, a polícia do país em um dado momento se viu incapaz de manter a ordem. Por isso, a ONU, a convite dos governos e partidos políticos haitianos, enviou as forças armadas. Em 1° de junho de 2004 chega ao país a Minustah, comandada pelo Brasil.
As forças de ocupação estão integradas por 7.495 efetivos de aproximadamente 30 países de todos os continentes. "É importante notar que Cuba e Venezuela não participam. Bolívia e Equador estão agora retirando suas forças, depois da eleição de Evo Morales e Rafael Correa. Note também que Zapatero tirou as tropas do Iraque e do Haiti quando tornou-se primeiro ministro na Espanha. Havia 300 espanhóis no Haiti", diz Didier. O Brasil, na opinião do professor, faz o jogo do império estadunidense no Haiti, em busca de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
São muitos os interesses em jogo na ocupação. O relatório da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Haiti levanta uma série de perguntas: "Qual é a 'ameaça à paz e a segurança internacional da região' levantada pelo Conselho de Segurança da ONU para justificar o estabelecimento da Minustah? É o temor dos EUA de receber mais uma onda de refugiados haitianos, fugindo da pobreza e da exclusão em embarcações precárias? É a possibilidade de perder o controle sobre uma zona geopolítica estratégica? A simultaneidade da revolta no Haiti e o aumento das pressões de Washington sobre a Venezuela e a multiplicação das ameaças dos EUA a Cuba é simplesmente uma coincidência?".
A essa última questão, Didier responde que os EUA estão construindo uma base militar a noroeste do país, em frente ao litoral cubano, e negociando outra base ao sul, frente à Venezuela. Ou seja, a localização do país é extremamente importante na estratégia imperialista dos Estados Unidos para a América Latina e o Caribe.
Para o professor e militante do movimento social haitiano só há uma saída para reverter esse quadro: a mobilização do povo, seguindo seus próprios interesses, com autonomia. "Nossa campanha não é de solidariedade com o Haiti, mas como o povo haitiano, com as lutas do povo", afirma Didier.