sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pare, olhe, pense

Olá amarga internet,

Alguns textos para pensarmos e entender o que está acontecendo na USP e como isto é um reflexo da nossa sociedade cada vez mais repressora. Nunca desafie a Matrix.


PROFESSORA ANA FANI E A AULA QUE NÃO ACONTECEU

por Ana Fani Alessandri Carlos, por sugestão do professor Ricardo Musse
Caros estudantes
Foi com grande indignação e imensa tristeza que vi na última quinta  feira a PM invadir o espaço da universidade e, ao fazê-lo, impor sua violenta racionalidade à vida cotidiana do campus. As “forças da ordem” instauraram o caos, usurpando a liberdade necessária e indispensável à realização de nosso trabalho, com o discurso da manutenção da mesma “ordem” que ele subverteu.
Não é difícil reduzir sua ação ao combate do tráfico de drogas sob o argumento de que o tratamento ao usuário de droga pego em flagrante deve ser o mesmo para todos os cidadãos sejam eles estudantes ou não, estejam eles no campus universitário ou fora dele.
A questão está longe de se resumir a esta ação/atitude. A situação em que nos encontramos é muito mais complexa. Trata-se do modo como o uso da força é justificado pelas autoridades. Assim a presença impositiva de uma fileira de motos, um despropositado número de PMs no
estacionamento do prédio da História/Geografia, para autuar três estudantes (antecedidos por blitz constrangedoras e cada vez mais freqüentes aos estudantes da USP) com seus gadgets, somados á bombas de “efeito moral” instauram o caos e impediram que a atividade fim da
universidade se realizasse. Além do que acabaram gerando mais violência e, com ela, um impasse, cujo desfecho certamente recaíra – como de hábito, pela punição aos mais fracos.
Consequentemente, trata-se de buscar a real origem de todo este caos que invade a vida cotidiana do campus subtraindo-lhe o sentido, e não poderia ser outra senão a lógica que orienta as atitudes da atual gestão universitária. Tal atitude vem revelando um desconhecimento do
papel e sentido histórico desta instituição pública, preocupada que esta em atender as exigências do mercado – no discurso tratado como aproximação entre universidade-sociedade (seja lá o que isto quer dizer!)
Os crimes de todos os tipos e assassinatos não podem e devem ser aceitos passivamente, nem no campus, nem fora dele, mas suas origens parecem não estar suficientemente claros, o que parece certo, todavia que com violência e negação de direitos civis estaremos cada vez mais distante da busca de possíveis e desejadas soluções.
Certamente, trata-se de formar nossos estudantes na busca da compreensão do fato de que o consumo inocente de um baseado reproduz o circuito do narcotráfico fundado numa violência ainda maior do que a da PM, e cuja existência impede o mais simples convívio social nas
áreas de sua atuação direta, bem como, no plano da sociedade a realização de um projeto que busque a realização do direto à cidade, a realização da cidadania plena e a subversão da situação de desigualdade que funda a sociedade brasileira.
Certamente os estudantes envolvidos nesta batalha devem ser totalmente favoráveis à superação desta condição de desigualdade que inclusive impede que a maioria daqueles que se encontram na mesma faixa etária tenham acesso à mesma universidade pela qual estamos todos engajados em sua defesa.
Abrir os portões da USP para a PM, vem revelando – em curto espaço de tempo – esta foi uma saída é, no mínimo, irresponsável.
A gestão da USP, ao abrir mão de suas atribuições, vem de forma consistente destituindo a universidade de seus conteúdos e sentido.
Para citar um caso dos mais graves, lembramos, aqui, os programas de pós-graduação deixados – pesquisadores e estudantes, com suas pesquisas – à mercê das instituições de fomento que vem impondo, no lugar do debate acadêmico, a competição entre programas e pesquisadores em busca de linhas em seus currículos lattes.
Competição esta, agora exacerbada pela nova lógica da carreira docente que faz com que o vizinho de sua porta se torne o inimigo a ser combatido por pontos pela progressão na carreira.
Na busca por estes objetivos, os prazos se tronam cada vez mais apertados esvaziando o ato de conhecer como ato de habitar o tempo lento da reflexão, agora, invadida pela quantificação.
Com isso é nosso trabalho que é completamente destituído de sentido, e o conhecimento produzido redunda em mera banalidade ou meras constatações. Agora, na mesma lógica que terceiriza a pós-graduação, a Universidade terceiriza mais uma das atividades que permite a
realização de seus objetivos – a segurança do/no campus.
A cada passo as sucessivas gestões parecem perder pouco a pouco sua legitimidade para levar a universidade para o futuro, prolongando uma história de conquistas tanto no plano do conhecimento da realidade brasileira – agora comprometido pelo tempo veloz com que precisamos produzir textos,artigos, orientações, patentes, etc- quanto no cenário político brasileiro em sua luta contra a ditadura.
Que projeto vislumbrar? Que futuro podemos construir? Sem dúvida o coletivo desta grande universidade precisa apontar novas possibilidades e caminhos mirando o futuro, mas aprendendo com nossa  história…..
Professora Dra. Ana Fani Alessandri Carlos
Departamento de Geografia da FFLCH/USP


WILSON CORREIA: USP, REPRESSÃO OU EDUCAÇÃO?

por Wilson Correia
Pobre sociedade que militariza suas universidade e criminaliza sua comunidade acadêmica, pois isso é confessar o fracasso dessa instituição social cuja tarefa primeira é a de propiciar os meios necessários à auto-formação humana, para o trabalho e para a cidadania pelo homem e pela mulher.
Por isso, vale lembrar que o Art. 207 da Constituição Federal de 1988 estabelece a autonomia universitária nos seguintes termos: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
A autonomia é o anteparo jurídico-institucional (e, consequentemente, didático, científico, administrativo, financeiro e patrimonial) voltado, exclusivamente, para o resguardo da liberdade de cátedra: de ensinar, pesquisar e fazer ação extensionista da universidade, pertencente ao povo que a mantém.
Como saber arrasta consigo certa substância do poder, entendo que a autonomia universitária visa a proteger a universidade da mistura entre o poder-saber e poder-partidário, esse dos diversos grupos políticos que se aboletam nas esferas públicas com o intuito de usarem a educação como plataforma programática político-partidária.
A história –sábia mestra– apresenta-nos carradas de fatos em meio aos quais a liberdade de pensamento foi posta no lixo por conta de caprichos idiossincráticos profundamente questionáveis. Aliás, foram esses acontecimentos que motivaram a construção da autonomia universitária (Sócrates, Giordano Bruno, Galileu Galilei, entre outros, aí lembrados).
Na esteira desse entendimento, fez-se tradição o campus universitário ser também ele um domínio que usa leis próprias, na independência que visa a proteger a produção científica e filosófica de possíveis influências externas impossibilitadoras da liberdade acadêmico-universitária.
Vivo a universidade desde 1989. Sempre testemunhei o entendimento de que polícia não deve funcionar no interior de um campus universitário. No máximo, que cada universidade tenha sua Guarda Universitária própria, voltada para a atividade-fim implicada nas práticas educativas, e não para ações mobilizadoras de aparatos repressivos, quaisquer que sejam eles.
O papel da instituição social chamada universidade é de usar práticas pedagógicas, mas se abster de lançar mão da violência estatal, preterida porque deriva do monopólio da força de que o Estado sempre gozou, exatamente porque os processos universitários são lastreados na liberdade, na educabilidade e na perfectibilidade humana de que todos os homens e mulheres podem lançar mão.
Quando a força da repressão passa a ser a opção de uma instituição educativa, como agora acontece na USP, em que a repressão suplanta a educação, isso revela que sua missão primeira –a de educar– foi colocada em xeque, está falida ou não desfruta mais da legitimidade que a autonomia universitária lhe confere. Essa medida, então, torna-se profundamente preocupante.
Será que a universidade chegou mesmo ao fundo do poço? Será que a universidade não acredita mais em sua competência educativa? Será que a universidade aderiu de vez ao senso comum por aí alardeado de que para se lidar com drogas a única “droga” é a repressão?
Aliás, reprimir o uso de drogas em lugar de educar para que a juventude saiba lidar com esse dado de nossa realidade é mesmo uma função da instituição universitária? Estamos assistindo à inversão das finalidades institucionais da universidade?
Que a autonomia universitária seja a trilha que mostre para a universidade que o seu precípuo papel é o de educar, possibilitando a auto-formação. Deixemos a repressão para quem dela necessita: os “ordeiros” que não suportam as diferenças e nem querem fazer com que a justiça social e a ética vigorem, facilitando, assim, que forças legalistas e repressivas prosperem para nos asfixiar.
Wilson Correia é Doutor em Educação pela UNICAMP e Adjunto em Filosofia da Educação no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Fontes
http://desonsetempos.blogspot.com/

VI O MUNDO: o que você não vê na mídia

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