Até onde vai a verdade cientifica?, artigo de Sávio Torres de Farias
Com a religião promovendo uma convivência de respeito entre as culturas e a ciência expondo os problemas na busca de uma realidade palpável, talvez possamos construir uma sociedade plural, reflexiva e com novos valores morais
Sávio Torres é doutorando em Genética da UFMG e nos enviou este texto:
O método científico durante os últimos séculos obteve e ainda vem obtendo um enorme sucesso na sua maneira de explicar o mundo.
A busca por uma descrição da realidade tornou-se o alimento inesgotável das sociedades modernas, sociedades estas que buscaram e ainda continuam a buscar a derrubada de mitos transcendentais, que mostram a verdade através de entidades superiores, racionalmente inexplicável e intocável.
Com o surgimento do pensamento racionalista, este tipo de explicação por tais entidades superiores tornou-se ineficaz, e se apresentou para esta sociedade moderna como uma ameaça na busca das verdades absolutas.
Juntamente com o fortalecimento do método científico, surgiram dois grandes ramos de pensamento a cerca das verdades que eram mostradas por tal método:
de um lado, estavam os que pensavam o método cientifico como construção da realidade a partir dos dados obtidos da observação, desta forma a realidade apresentada não passava de uma representação de uma realidade maior inatingível, escola de pensamento conhecida por Construtivismo.
Portanto, ao aceitarmos que o método científico é construtivista, não estaríamos destruindo mitos em troca de outros mitos?
Qual seria a diferença fundamental entre uma verdade construída por crenças em entidades superiores e outra construída por uma representação de mundo?
Quanto dessa verdade científica não seria fruto das crenças dos próprios cientistas?
No outro lado do pensamento, há uma escola na qual o método científico não é uma mera representação da realidade, e sim a própria realidade vislumbrada por uma observação sistêmica dos acontecimentos, forma de pensamento conhecida por Realismo.
E esta forma de pensamento leva a um sentimento de superioridade das sociedades modernas sobre antigas crenças culturais na explicação de mundo.
Desta forma, é um direito destruir antigas crenças culturais pela busca de uma verdade absoluta?
Será que “verdades” construídas por métodos diferentes tem suas funções sociais sobrepostas? Poderá o conhecimento científico se tornar tão dogmático quanto à crença em mitos?
Ao fazer uma análise do método científico, identificamos dois momentos em que é possível distinguir na sua forma de construção e apresentação do conhecimento:
o primeiro momento será identificado como o da montagem e apresentação das teorias e hipóteses, em que o pesquisador ou grupo de pesquisadores propõe uma interpretação dos dados observados em suas análises;
o segundo momento será identificado quando estas propostas forem comprovadas por diversos grupos e esse conhecimento estabelecido como “verdade” for aceito por toda a comunidade.
A verdade aqui é definida como um conjunto de conhecimentos factíveis de reprodução e que possibilite previsões de eventos futuros.
Nesta definição, a realidade não será absoluta, mas também não será mera construção da realidade.
Partindo desta análise é visível que a proposta Construtivista e a Realista não são opostas por natureza, e sim etapas diferenciadas do método científico, em que no primeiro momento está aplicado o método construtivista e no segundo momento o método realista, não como realidade absoluta, mas como realidade alcançável.
Então, como a realidade absoluta nunca será conhecida, ou pelo menos nunca se terá consciência dela, a ciência perde, no senso comum, seu caráter dogmático e expõe sua face problematizadora de questões que podem ser abertamente discutidas pela sociedade, sendo esta a grande contribuição que a ciência ou o método científico têm a oferecer para a construção de uma sociedade crítica e menos alienável por mitos dogmáticos e verdades absolutas propostas pelas religiões, como forma de manter o controle das decisões sociais, através da imposição de valores morais ultrapassados.
Apesar de vislumbrar um papel sensibilizador das ciências na formação de uma sociedade critica, não posso me abster de admitir a importância das religiões como uma instituição, que de certa forma, possibilita ou promove uma determinada organização social.
Neste ponto gostaria de encerrar este texto com uma nova perspectiva, onde enquanto ciência e religião estiverem disputando a mesma função social, seus pensamentos e propostas serão sempre incompatíveis e incongruentes, porém se cada uma dessas vertentes de pensamento desempenhar sua função social, estando a religião promovendo uma convivência de respeito entre as culturas e a ciência expondo os problemas na busca de uma realidade palpável, podemos assim construir, quem sabe, uma sociedade plural, reflexiva e com novos valores morais condizentes com seu tempo.
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